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Publicado a 13/10/2018

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João Pedro Silva

Avaliação física e postural na reabilitação física e trabalho de prevenção de lesões: Dor na virilha - Groin Pain (“Pubalgia”) | Por João Pedro Silva (Bwizer Magazine)

João Pedro Silva

Este artigo fez parte da 3ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra aqui.

 

As lesões no complexo pélvico, historicamente, têm sido um desafio para diagnosticar e tratar. Uma ampla gama de diagnósticos tem sido descrita, assim como, uma longa lista diferenciada de opções de tratamento. Esta questão prende-se com o tempo prolongado de ausência da prática desportiva em desportos tais como: futebol, hóquei no gelo, rugby, basquetebol, andebol, atletismo ou ténis. Os fenómenos patológicos podem igualmente surgir em praticantes ocasionais e recreativos. Tendo em conta a maioria dos autores consultados, estes apresentam valores de incidência que podem variar entre os 0,5% e os 28%.

A dor na virilha é bastante comum em atletas de alta competição, agravando com o esforço físico, tendo maior incidência naqueles desportos que envolvam corrida, acelerações e desacelerações, mudanças de direção, pontapear repetidamente e contacto físico. É comum em várias modalidades mas é encontrada principalmente em desportos como o futebol, o atletismo e rugby (Ahumada et al. 2005, Kachingwe et al. 2008). A sobrecarga dos membros inferiores e os movimentos do pé caracte-rísticos destes desportos, submetem-nos a fortes desequilíbrios ao nível da bacia, o que implica uma série de compensações (Busquet 2002). 

De acordo com Busquet (2002), a “pubalgia” é a expressão de sintomas localizados ao nível da púbis, com irradiações dolorosas para os adutores, abdominais e região inguinal. Do ponto de vista fisiopatológico, é descrita como um processo inflamatório que afecta a sínfise púbica, produzindo alterações condrais e ósseas nesta articulação.

 

Num clube de futebol, e tendo em conta uma meta análise reali¬zada com 29 estudos que abordaram esta temática, verificou-se uma incidência maior no sexo masculino (4% a 19% e um rácio de 0,2-2,1 lesões/1000h de treino), mas a incidência no sexo feminino tem vindo a aumentar com o tempo (2 a 14% e um rácio de 0,1-0,6 lesões/1000h de treino) (Ekstrand and Ringborg 2001; Weir et al. 2015).

Esta diferença significativa entre géneros poderá ser explicada pelo número de mulheres desportistas ser consideravelmente menor, pelas diferenças anatómicas do canal inguinal, pelas diferentes exigências no treino, além da melhor adaptação da bacia feminina às pressões biomecânicas (Maffey and Emery 2007).

Num estudo realizado pela UEFA em equipas de elite, que decorreu durante 7 épocas desportivas, foram registadas 628 tendinopatias dos adutores, que representam 12 a 16% do total das lesões por época. Em relação aos valores de incidência foram constatados 1,1/1000h (3,5/1000h de jogo e 0,6/1000h de treino), o que significa que um jogador profissional de futebol poderá atingir uma média de 7 lesões na virilha por época e em mais de metade destas lesões, demorará pelo menos 1 semana a recuperar.

Alguns autores (Busquet 2002, Jansen et al. 2008, Maffey and Emery 2007) indicam um grupo de fatores intrínsecos e extrínsecos relacionados com a “pubalgia” . Os intrínsecos, relacio¬nados com a constituição do próprio atleta (morfótipo), podem acarretar desequilíbrios musculares importantes. A dismetria de membros inferiores, pé plano ou cavo, joelho valgo e hiper¬lordose lombar, são igualmente características intrínsecas. Os fatores extrínsecos estão diretamente relacionados com a prá¬tica desportiva e dependem de uma série de fatores tais como: “overtraining”, “overuse”, falta de mobilidade e ADM reduzidos, utilização de material inadequado e erros na coordenação e progressão do treino (Busquet 2002, Maffey and Emery 2007).


Análise Anatómica e Biomecânica

Ao analisarmos a “Balança de Pauwels”, constatamos que, quando os músculos não são capazes de causar uma força 3x o peso do corpo, a pélvis inclina-se para o lado oposto (signo de Trendlenburg). Assim sendo, e ao analisarmos as forças vetoriais presentes, a cada passo (sem ser na corrida) que é dado, exercemos uma força através da anca igual a 4x o peso do nosso corpo.

Neste sentido, é igualmente importante que o atleta ou o praticante de atividade física tenha a capacidade de realizar uma força adutora bilateral de pelo menos 60% do seu peso corporal. Outra investigação mais recente realizada pela Sports Medicine & Injury Research Centre da Aspetar Orthopaedic and Sports Medicine Hospital /Doha-Qatar, concluiu que deverá existir uma razão de 1:3 entre musculatura adutora e abdutora de um mesmo membro inferior, para futebolistas. Ou seja, a força produzida pelos adutores deverá ser pelo menos 30% superior à dos abdutores (Thorborg et al. 2011). Ainda de acordo com este autor, a média da força em regime de contração excêntrica adutora situa-se nos 252N (dp51N) - valores muito abaixo destes colocam o jogador numa situação de risco de lesão acrescido.

Assim, na atividade desportiva, durante a flexão, adução e rotação da coxa, é necessário uma coativação entre a parede abdominal, glúteos, e isquiotibiais para se controlar a báscula pélvica (anteversão e retroversão) e a posição da região lombo-sagrada. Debilidade ou resistência insuficiente leva a uma instabilidade funcional e sobrecarga das distintas estruturas da pélvis, seja por forças ascendentes, ou descendentes. Neste sentido, é comum encontrarmos nos atletas:

  • Encurtamento da cadeia posterior da coxa;
  • Abdominais/adutores extremamente fortes ou fracos;
  • Alteração posicionamento da pélvis;
  • Estiramentos na origem dos adutores e abdominais;
  • Desequilíbrio muscular da cintura pélvica, que provoca dor e inflamação da sínfise púbica;
  • Encurtamentos na musculatura responsável pela manutenção e equilíbrio do complexo lombo-pélvico, nomeadamente ao nível da abdução da coxa femoral e rotação externa da anca.


Exame Físico e Postural

Algumas das mais importantes e relevan¬tes manobras usadas no exame físico e respetivos objetivos são:

  • Adução resistida do membro inferior (avalia dor e força muscular); (img.1)
  • Palpação da inserção do músculo longo adutor no púbis (avalia dor);
  • Mobilização passiva do membro inferior e observação da disponibilidade fun¬cional da musculatura posterior (avalia dor e mobilidade) (img.11);
  • Palpação da sínfise púbica (avalia dor);
  • Palpação da inserção do reto abdominal no púbis (avalia dor);
  • Testes funcionais dos músculos abdominais e auxiliares do movimento (avaliam dor e força); (img.10)
  • Palpação do músculo psoas acima do ligamento inguinal (avalia dor); (img.2)
  • Testes funcionais do psoas ilíaco (avaliam dor e força); (img.2)
  • Mobilização passiva e ativa do psoas ilíaco (Teste de Thomas modificado) (avalia dor, tensão e mobilidade); (img.3)
  • Avaliação rotador interno na anca (a 90graus de flexão) e rotador externo, quando adotamos uma posição neutra e estendida (encurtamento do músculo pi¬ramidal) (Mobilidade e Dor na palpação); (img.4)
  • Avaliação bilateral da mobilidade sacro ilíaca e disponibilidade funcional dos adutores - Fallout test (avalia dor e mobi¬lidade); (img.5 e 8)
  • Squeeze test, 45 graus de flexão da anca e/ou 90 graus de flexão do joelho com recurso a dinamómetro (avalia dor e força). (img.6)
 
 
 

Em qualquer exame de avaliação da dor, é determinante que o atleta tenha a capacidade de se autoavaliar da forma mais correta possível e seja realizado o registo dos dados. É usualmente utilizada uma Escala Visual Analógica (EVA 1-10) com diferentes níveis e cores para os diferentes intervalos de intensidade da dor: 0-2 (Verde); 3-5 (Amarelo); 6-10 (vermelho). Thorborg, K. et al (2018).

Tendo em consideração o Consensus Statement, nomeadamente o “The Doha agreement” em 2015, recomenda-se no que respeita à dor na virilha, uma abordagem sistemática tendo como base: local da dor, mecanismo da lesão, historial de treino e sintomas sistemáticos.

Aspetos extremamente relevantes tais como uma descrição precisa do mecanismo em caso de lesão aguda pode ser muito útil. Uma alta força estava envolvida? Era um som como um snap, clique ou sensação semelhante que sentiu ou ouviu? O jogador pode continuar?

Se não existe nenhum incidente ou episódio agudo a constatar, as atividades anteriores à lesão e o desenvolvimento dos sintomas, podem por vezes ser muito úteis. Neste sentido é relevante a coloca-ção de questões tais como: foi a carga de atividades aumentada? O jogador correu longas distâncias ou levantou pesos mais pesados ou esteve sujeito a novas técnicas de aprendizagem? Existiu uma mudança de equipamento, superfície ou técnica? Durante as atividades sente dor? E o que alivia a dor?

Ainda tendo em conta o “Doha agreement” onde convergiram 24 experts de 14 países diferentes, foi desenvolvido um sistema de classificação em que a dor na virilha em atletas é descrito sob os principais sub-temas: Adductor-related; Iliopsoas-related; Inguinal-related; Pubic-related; Hip-related.

Para que a reabilitação ativa ocorra da forma mais correta, cumprindo todos os critérios necessários, é importante que os exercícios sejam realizados sem dor, o tó¬nus dos adutores, assim como, do glúteo médio seja normalizado e o psoas ilíaco tenha um encurtamento correto. É igualmente importante melhorar a estabilidade lombo pélvica através de programas de reforço e estabilidade do core e melhorar a resistência da musculatura periférica.

Sabendo que numa fase inicial existe uma degeneração tecidular e dor, de seguida uma componente direciona¬da para as dimensões osteoarticulares (alinhamentos, hipo e hipermobilidade), neuromuscular (que implicam alterações no controlo motor, padrões de movimento disfuncionais), muscular (RTS) da forma mais segura possível (primeiro à corrida, tendo previamente repetido todos os testes anteriormente realizados, e só depois ao campo).

Neste sentido, existem alguns exercícios e protocolos de reabilitação a ter em consideração, tais como, exercícios de so¬brecarga excêntrica como o Copenhagen Test e o “The Holmich Protocol” (Holmich et al. 1999) em que estão incluídos exercícios de reforço muscular em 2 fases distintas: 1ª fase - musculatura adutora e abdominal; 2ª fase - musculatura adutora (abdominal) quadrado lombar e coordenação motora ao desaparecimento por completo dos sintomas. Mais tarde, Weir et al. (2011) incluiu a corrida, e a corrida com mudanças de direção (COD).

São, a seguir, referidos alguns exemplos de exercícios adequados para a reabilitação física que percorrem as diferentes fases de recuperação (Acute; Sub Acute; Chronic), trabalho de otimização muscular e aumento da disponibilidade funcional. Sempre que possível, este processo deve ser auxiliado por escalas de perce¬ção subjetiva de esforço (escala de Borg adaptada), EVA (para a classificação da dor) e com recurso a um dinamómetro que nos permite acompanhar a evolução dos valores de força e respetivas curvas entre as diferentes fases:

  • Trabalho de abdução e dos rotadores externos da anca com resistências elásticas, com e sem deslocamento;
  • Adução resistida com contrações isométricas e/ou excêntricas (0 e 45 graus de flexão da anca com dinamómetro);
  • Ativação e mobilização do complexo lombo-pélvico (flexores da anca) em circuito de contra resistência com água salgada sem deslocamento;
  • Abdução e adução com redução do peso corporal em 75%, em circuito de contra resistência com água salgada;
  • Aumento da mobilidade sacro ilíaca e tónus/capacidade muscular dos glúteos (musculatura rotadora externa da anca);
  • Trabalho de ativação do Core “The Pilar” e controlo da musculatura extensora e flexora da anca com aumento da capacidade funcional e trabalho de resistência dos adutores;
  • Aumento da força muscular associado a diferentes perfis de contração mus¬cular, com aumento da fase excêntrica;
  • Trabalho neuromuscular e de reeducação do movimento, promovendo os (encurtamentos e fraqueza muscular) e por fim funcional (cadeias musculares, alterações estruturais), é determinante respeitar cada uma destas fases e os seus timings inerentes aos processos biológicos em causa, de forma a almejar o objetivo final: o atleta efetuar um retorno à prática desportiva
  • Coativação e coordenação intramuscular dos flexores da anca com os flexores do joelho e core, com recrutamento do padrão de movimento desejado;
  • Ativação neuromuscular com deslocamentos multi-direcionais na agility ladder - aceleration wall drill, lateral bound e deslocamento lateral entre os cones;
  • Mobilidade, flexibilidade dinâmica e alongamento ativo como o drop side lunge (com avanço lateral) - movimento dinâmico da anca com ativação da musculatura agonista e sinergista – alongamento estático do piramidal.

Assim, e para atingirmos a performance desejada e consequente baixo índice de lesões do atleta, devemos ter sempre em conta que, inerente à performance, está subjacente a capacidade de adotar posições que requerem mobilidade, de seguida padrões de movimento que requerem controlo da mobilidade, e depois a manifestação da força e potência que requer um treinador (S&C) capaz de dominar e interligar todos os trabalhos que percorrem todas as dimensões de força existentes, tendo em conta o perfil individual do atleta, sabendo encontrar o equilíbrio perfeito entre o estímulo e a recuperação.

 

Este artigo fez parte da 3ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra aqui.

CV: Licenciado em Desporto e Educação Física pela FADE-UP, é Pós-graduado em Treino de Alto Rendimento Desportivo e em Reabilitação em Medicina do Exercício e Desporto pela FMUP. Preletor, formador, treinador e também Rehab, S&C Specialist.

Fonte: Consulte a 3ª edição da Bwizer Magazine

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