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Publicado a 19/11/2017

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Clara Cavalcanti Lopes Marins

Alterações posturais nas crianças e jovens - uma problemática premente. O despertar de uma nova consciência.

Clara Cavalcanti Lopes Marins

Atualmente estamos a presenciar uma drástica mudança na realidade social do ponto de vista da presença de sintomas músculo-esqueléticos nas populações cada vez mais jovens.

Com isto refiro-me não à população entre os 30 e os 40 anos que já seria preocupante, pois com alguma prática de atividade física regular (preferencialmente cíclica: caminhada, corrida, ciclismo, natação, por exemplo) já seria possível a ausência de sintomas. Refiro-me sim à inquietante perceção da presença de sintomas dolorosos “agudos” a partir dos 5 anos e “crónicos” em crianças a partir dos 8 / 9 anos

Da minha perceção profissional (com avaliação e tratamento exclusivamente baseados no Método Mézières) e pessoal (observação das nossas crianças em contexto natural (creche, recreio, parques públicos) e partilha de informação e opinião com diferentes profissionais (Educadores de Infância, Professores de Educação Física, Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais, etc.)) vem um conjunto de fatores de extrema importância aqui explanar e aprofundar a reflexão.

1) a receção de casos de crianças cada vez mais novas com sintomatologia - casos de presença de sintomas permanentes (ex.: dores em toda a cadeia muscular posterior constantes) em crianças a partir dos 8 / 9 anos e, mais grave ainda, de crianças a partir dos 5 anos com sintomas agudos de assimetrias mantidas (Ex.: torcicolos adquiridos durante uma brincadeira motora no recreio);

2) a muito maior dificuldade em obter ganhos aquando de uma sessão de Reeducação Postural segundo Mézières quanto mais jovem é o paciente - é muito maior a rigidez muscular e a resistência corporal ao trabalho de correção postural em jovens abaixo dos 40 anos, do que nos adultos acima dessa idade;

3) a ausência de atividade física praticada pelas populações mais jovens - ao não utilizar, estando sentados ao computador, tablets e telemóveis, os músculos e articulações do nosso tão inteligente corpo informam que aquela posição é a máxima necessária, começarão a surgir fibroses e encurtamentos que mantêm essas estruturas curtas permanentemente e despoletarão a sintomatologia sempre que no seu dia a dia a criança solicitar essas amplitudes para qualquer atividade;

4) o excesso de “proteção” por parte dos pais em toda e qualquer atividade motora desde a mais tenra idade – “não corras”, “não saltes”, “vais cair”, “vais te magoar”. Mas é necessário tudo isto para o corpo aprender os seus limites;

5) o atraso no desenvolvimento motor já percecionado por educadoras que acompanham as crianças durante a creche (dos 4 meses aos 3 anos) - a idade de início da marcha era entre os 9 e os 12 meses, atualmente é entre os 13 e os 15 meses, podendo chegar aos 18 meses;

6) a ausência de brincadeiras motoras nos recreios das escolas - no recreio de uma escola básica onde frequentam crianças a partir dos 10 anos pode-se observar que não há crianças a correr, a saltar…estão todas sentadas numa postura de antepulsão da cabeça, hiperlordose cervical, antepulsão e anteversão dos ombros, hipercifose dorsal e retroversão da bacia a olhar cada uma para o seu ecrã de telemóvel;

7) a reduzida existência (ou ausência) e a crescente desvalorização dos exercícios de alongamento e flexibilização das cadeias musculares por parte dos profissionais da Educação Física responsáveis pela Educação Motora e Psicomotora das nossas crianças;

8) a moda da utilização de roupas cada vez mais curtas e justas nos jovens – Ex.: calças de cinta descida ou justas que descem à mínima flexão da anca vão provocar uma postura permanente de retroversão da bacia e evicção das amplitudes de flexão da anca e joelhos. Conclusão, encurtamento permanente da cadeia muscular posterior, flexibilidade e mobilidade lombo-pélvica e entre pélvis e membros inferiores extremamente limitadas;

9) a desvalorização e perceção minimalista por parte da família perante as queixas dolorosas das crianças - O pensamento comum é “isto passa”. O pior é que não passa, mas sim agrava com o tempo;

10) o desconhecimento de muitos profissionais de saúde perante a capacidade da Reeducação Postural segundo Mézières de efetivamente corrigir a postura e reduzir ou mesmo eliminar a sintomatologia do paciente.

Esta perspetiva holística de trabalho aprende-se com a prática da Técnica de Reeducação Postural segundo o Método Mézières, centrando-se na resolução da causa dos sintomas dos pacientes e possibilitando uma abordagem global tratando o individuo como um todo que é. Todo este raciocínio holístico constante faz-nos começar a pensar nos pacientes inseridos nos seus contextos diários, nas suas compensações diárias.

O fato de termos crianças com sintomatologia tão significativa faz começar a observar o comportamento destas inseridas no seu contexto diário (escola, casa, família e tempos livres) e em todas as suas fases de desenvolvimento. Daí emerge este conjunto de fatores tão significativos (isoladamente) e tão numerosos e que por isso mesmo fazem com que as consequências sejam somadas e exponenciadas nestes corpos tão pequenos em desenvolvimento.

CV: Licenciada pela ESTSP em 2006, com Pós-Graduação em Fisioterapia na Comunidade pela ESTSP e Estudos Avançados em Engenharia Biomédica.

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