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Publicado a 22/04/2018

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Beatriz Minghelli

Prevenção de Lesões no Surf | por Beatriz Minghelli (Bwizer Magazine – 2ª ed.)

Beatriz Minghelli

Este artigo fez parte da 2ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra aqui.

 

Para prescrever um treino preventivo, o fisioterapeuta deve ter conhecimento da modalidade em questão relativamente à dura­ção de cada atividade e o metabolismo requerido pelo sistema energético. Além disso, deve ter conhecimento dos locais do corpo mais propensos à ocorrência de lesões, assim como os tipos e mecanismos de lesão mais frequentes. Essa pequena observação não é apenas aplicada ao surf, mas a todas as mo­dalidades desportivas.

A Fisioterapia no desporto também necessita de evidência cien­tífica de forma a responder a estas questões e prescrever um efetivo programa de treino que objetive a prevenção de lesões e maximize o desempenho do atleta.

A prática do surf aumentou a sua popularidade em todo o mun­do tanto a níveis competitivos, como recreativos. Segundo a Associação Internacional de Surf, existem mais de 35 milhões de praticantes de surf em mais de 70 países. De acordo com os dados da Federação Portuguesa de Surf, em Portugal existem

15.000 atletas federados, 100 clubes, 250 escolas e 3 associa­ções nacionais. Em agosto de 2016, o Comitê Olímpico Inter­nacional (COI) oficializou, no Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos de 2016, a inclusão do surf como uma das modalida­des nos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020.

Durante uma sessão de surf é necessário realizar longos períodos de remada até chegar à zona de take-off (região para apanhar a onda), realizar repetidos movimentos de bico-de­-pato, (que consiste em passar por debaixo da onda quando o surfista se encontra na rebentação), realizar curtos períodos de remada com velocidade e potência para apanhar a onda e o movimento de remada para procurar o melhor local (pico) para apanhar as ondas. Desta forma, a prática do surf inclui a rea­lização de atividades de elevada intensidade, como a remada para apanhar a onda e o movimento de take-off (ficar de pé), alternados com curtos períodos de recuperação; e repetidos movimentos de remada de baixa intensidade. Estes movimen­tos são repetidos ao longo de uma sessão de surf e requerem elevada resistência muscular, moderada a elevada resistência cardiorrespiratória e potência anaeróbia do tronco e membros superiores.

Uma sessão de surf geralmente tem a duração de aproximada­mente 2 horas, no entanto é comum os surfistas que partici­pam em competições ficarem 3 a 4 horas na água e treinarem mais de 1 vez por dia.

O estudo de Mendez-Villanueva et al. avaliou o perfil das ati­vidades de 42 surfistas durante um campeonato internacional e os dados revelaram que o movimento de remada correspondeu a 51% do tempo total da sessão. Em 42% do tempo os surfistas estiveram parados, deitados ou sentados na prancha (período estacionário). O ato de apanhar a onda correspondeu apenas a 4% do tempo total da sessão e, as outras atividades, como a realização do bico-de-pato e recuperar a prancha, contabiliza­ram 2% do tempo total. Estes resultados estão de acordo com diversos estudos que revelaram que o movimento de remada consiste no movimento mais realizado na prática do surf.

Minghelli et al. avaliaram 42 crianças e adolescentes que participaram no Campeonato Desporto Escolar na região do Algarve, e verificaram que o movimento de remada foi o mais executado durante a competição no entanto, a maior parte des­te movimento foi de curta duração (até 15 segundos), sugerindo uma atividade que envolve o metabolismo anaeróbio, onde a ressíntese de ATP é feita através de reações químicas que não necessitam da presença de oxigénio. Os resultados de Mende­z-Villanueva et al. verificaram que a maioria dos movimentos de remada dos surfistas adultos foram realizados em períodos de até 20 segundos.

Para adquirir a postura correta da remada, o surfista deve rea­lizar uma hipertextensão da coluna de forma a que o tórax não fique em contacto com a prancha. Esta contínua contração iso­métrica adotada durante o movimento de remada, por várias horas de uma sessão de surf, pode provocar lesões por esforço repetitivo na coluna lombar. Além disso, os repetidos movi­mentos de rotação e compressão dos discos intervertebrais da região lombar durante a realização das manobras podem estar relacionadas com um processo de degeneração discal.

O estudo de Minghelli et al. realizado a nível nacional revelou uma prevalência de lesões de aproximadamente 30% nos 1.016 surfistas avaliados, sendo os locais de lesões mais comuns o joelho, ombro, coluna lombar e cabeça. Os tipos de lesões mais frequentes foram as lacerações, lesões articulares e lombalgia; e os mecanismos de lesões mais referidos o impacto com a prancha, o movimento de remada e a realização de manobras.

Um outro estudo de Minghelli et al. teve como objetivo de­terminar a prevalência de lombalgia em surfistas da região do Algarve e os dados revelaram que 32% dos 50 surfistas da amostra avaliada referiram dor lombar nos últimos 12 meses.

Os dados de estudos epidemiológicos que permitem identificar os locais anatómicos, os tipos e mecanismos de lesão mais frequentes, assim como os estudos com análise de movimento da modalidade que determinam os metabolismos utilizados na prática da modalidade, auxiliam na prescrição de um programa de treino preventivo.

O impacto com a prancha provoca lesões pelo contato com as quilhas que são rígidas, apresentam pontas afiadas e podem causar lacerações, além do contato com outras partes da pran­cha como o nose, tail e rail que podem ocasionar contusões.

Durante a realização das manobras, os surfistas assumem uma posição de valgo com flexão do joelho do membro mais pró­ximo ao tail (final da prancha), ocasionando uma maior carga sobre o ligamento lateral interno. Relativamente à articulação tibio-társica, esta encontra-se em posição de eversão, também sobrecarregando os feixes laterais internos. A realização de manobras aéreas também podem ocasionar lesões nas articulações  referidas.

As lesões no ombro podem ser causadas por instabilidade escapular, dese­quilíbrio muscular ou pela biomecânica do movimento de remada. Os surfistas que não conseguem elevar o tórax da prancha enquanto estão a remar têm que realizar uma maior flexão do ombro durante a fase de recuperação da remada, sobrecarregando as estruturas desta articulação.

Conforme referido anteriormente, para prescrever um programa de treino para surfistas é necessário ter em consideração a duração de cada atividade e o metabolismo envolvido. Muitos fatores podem afetar o tempo gasto em cada atividade de surf e, consequentemente, a sua intensidade, como correntes oceânicas, orientação do vento, tamanho das ondas, temperatura da água, tipo de onda, frequência de ondas e marés.

Um programa de treino preventivo, além de ter como objetivo prevenir as le­sões inerentes à modalidade, tem como finalidade melhorar o condicionamen­to físico do atleta. Este programa de treino consiste na realização de um treino sensório-motor e pliométrico, simulando os movimentos fora de água. Estes tipos de treinos permitem ao indivíduo estabelecer relações com o meio ambiente, fornecendo informações sobre a posição dos segmentos articulares e do seu padrão de movimento, sendo um fator importante na correção de uma estabilidade dinâmica e na prevenção de lesões. Uma vez que se verificou que a prática do surf envolve períodos de atividade de moderada intensidade, requisitando o sistema aeróbio de energia, mas também períodos intercalados de exercícios de elevada intensidade, o programa de treino preventivo também deverá envolver um treino cardiorrespiratório e de força muscular dinâmica, contínuo e intervalado, de forma a aprimorar ambos os sistemas energéticos.

 

Este artigo fez parte da 2ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra aqui.

CV: Fisioterapeuta (2000), Mestre em Ciências da Fisioterapia (FMH, 2004) e Doutora em Saúde Pública (ENSP, 2014). É coordenadora do Ciclo de Estudos em Fisioterapia da ESS Jean Piaget de Algarve.

Fonte: Consulte a 2ª edição da Bwizer Magazine

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