O nosso website utiliza cookies por forma a melhorar o desempenho do mesmo e a sua experiência como utilizador. Pode consultar a nossa política de cookies AQUI

Publicado a 17/01/2019

Voltar
Andreia Rocha

Quando os bebés chegam cedo demais | Por Andreia Rocha (Bwizer Magazine)

Andreia Rocha

Este artigo fez parte da 5ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra AQUI.

 

A pediatria, tal como as outras áreas da fisioterapia, desperta algumas paixões. Muitos dos atuais fisioterapeutas não tiverem oportunidade, em estágio, de intervir em condições pediátricas, embora o desejassem. Outros, tendo essa oportunidade, fu­giram a sete pés. Enquanto orientadora de estágio já conheci ambas as realidades.

Da minha experiência (no estágio e na vida), a paixão pela área costuma ser o primeiro ingrediente para um projeto bem sucedi­do. Longe de ser o único, é uma forma de começar bem.

Felizmente a pediatria levou-me ainda a outra viagem: a neo­natologia. Com efeito, neste microcosmo dos recém-nascidos doentes poucos terão experiência, a menos que desenvolvam a sua atividade em meio hospitalar. Reconheço que este contexto tem tanto de privilégio, como de desafio.

Depois de tratar muitos recém-nascidos prematuros, não tenho dúvidas que a melhor incubadora do mundo continua a ser a barriga da mãe. A natureza é sábia e fez-nos estar 40 semanas lá dentro, quentinhos, acomodados e protegidos. Vale a pena estudar o desenvolvimento embrionário e perceber a multipli­cidade, variabilidade e complexidade celular. De muitos exem­plos, saliento sempre o desenvolvimento da pele e do sistema nervoso a partir do mesmo folheto (a ectoderme). Uma relação que começa bem cedo.

O desafio na intervenção do fisioterapeuta em neonatologia re­laciona-se essencialmente com as questões da prematuridade. O nascimento prematuro é definido, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como o nascimento antes das 37 semanas completas de gestação.

Os bebés podem ser classificados quanto à idade gestacional e peso com que nascem, sendo a morbilidade neonatal tanto maior quanto mais prematuro ou mais leve é o bebé. Assim, a prematuridade “extrema” engloba os  bebés abaixo das 28 semanas de gestação, na “grande” pre­maturidade enquadram-se aqueles que nascem com menos de 32 semanas, e são considerados pré-termos “moderados” ou “tardios” os que nascem, respetivamente, entre as 32 e as 33 semanas ou entre as 34 e as 36 semanas. São de “extremo bai­xo peso” aqueles que nascem com menos de 1000 g, de “muito baixo peso” os bebés que nascem com menos de 1500 g, e de “baixo peso” se entre os 1500 e os 2500 g ao nascimento. Não sei se conseguem imaginar bebés de 30 cm, com 750 g, em que bastam as duas mãos juntas, em concha, para pegar neles...

Atualmente sabe-se que 1 em cada 10 bebés são prematuros. A etiologia da prematuridade é de natureza multifatorial e varia de acordo com a idade gestacional (IG). Aproximadamente 14% dos casos podem ser explicados por fatores maternos e 11% por fatores genéticos fetais. Vários são os fatores que podem conduzir ao nascimento antes do tempo, nomeadamente o ta­bagismo, a má alimentação, o consumo excessivo de cafeína, as gestações gemelares e história prévia de parto pré-termo. Os problemas maternos como a hipertensão arterial, a diabetes e a hemorragia uterina são também fatores importantes. As infe­ções maternas predominam como causa de nascimento prema­turo entre as 24 e 32 semanas de gestação, enquanto o stress e a distensão abdominal excessiva são predominantes entre as 32 e 37 semanas.

A prematuridade é causa reconhecida de sequelas major, como a paralisia cerebral, défice cognitivo e alterações neurossenso­riais moderadas a graves. Sabe-se atualmente que o período entre as 20 e as 32 semanas de gestação se caracteriza por um rápido crescimento e desenvolvimento cerebral. O nascimento pré-termo altera este processo e, em estudos de neuroimagem, verificaram-se alterações estruturais como diminuição do volu­me total do cérebro, córtex e cerebelo, assim como alterações da mielinização.

Pela imaturidade dos sistemas orgânicos é de prever algumas complicações no bebé pré-termo, a começar pela condição respiratória, nomeadamente a doença das membranas hialinas (doença típica da imaturidade pulmonar) e sua evolução para displasia broncopulmonar, bem como a doença pulmonar cró­nica. Ora, estas complicações aprensentam-se como prioridade de tratamento constituindo, na maioria das vezes, a primeira fase da nossa intervenção.

As sequelas neurológicas mais frequentemente observadas são a hemorragia intra e peri-ventricular e a leucomalácia periventri­cular, ambas causadoras de encefalopatia no pré-termo, assim como de retinopatia da prematuridade, que pode conduzir a de­ficiência visual importante ou mesmo a cegueira. A médio/ longo prazo a sequela mais comum é a paralisia cerebral (PC). A PC pode ser classificada de acordo com a localização topográfica (hemiplegia, diplegia ou tetraplegia), nível de funcionalidade (segundo a Gross Motor Function Measure, que avalia o movi­mento voluntário, com ênfase no sentar e andar, e apresenta 5 níveis, sendo o nível 1 o de menor gravidade e o nível 5 o que apresenta severas limitações no controlo dos movimentos vo­luntários) e pelo tónus muscular (espástica, atáxica, discinésica ou mista).

A exigência dos primeiros tempos de vida e as experiências an­tecipadas devem ser cuidadosamente observadas pelo fisiote­rapeuta de forma a melhor estruturar a sua abordagem. Assim, pretende-se promover o típico desenvolvimento do bebé, contri­buindo para o seu desenvolvimento neuromotor.

Da neonatologia para casa e da casa para o mundo, o fisiotera­peuta é o fiel companheiro nos primeiros meses/ anos de vida.

Só podemos intervir depois de avaliar. Só sabemos avaliar bem o que conhecemos bem, pelo que é fundamental perceber no que se traduz o desenvolvimento típico do bebé. As competên­cias adquiridas ao longo das janelas de crescimento servirão, então, como modelo no processo de diagnóstico e intervenção em fisioterapia. Que competências podemos esperar de um bebé de termo aos 6 meses? E de um bebé pré-termo de 28 semanas, com 9 meses de idade real? É grave se o bebé nun­ca gatinhou? Quando deixamos de considerar a idade corrigida para atendermos à idade real? Porque nos devemos preocupar com as questões sensoriais do bebé? Qual o papel das famílias ou cuidadores?

Na minha perspetiva de intervenção, a atenção deve estar no bebé e na sua família. Não sou purista na abordagem, embora me sinta mais confortável com umas técnicas de que com ou­tras. Observo muito. Escuto os pais. Toco. Facilito. Começo a construir o meu raciocínio. Procuro identificar os problemas e desenhar estratégias para os modificar. Escolho as técnicas em função do bebé e não o bebé em função das técnicas. Exercício diário.

Aos fisioterapeutas caberá, cada vez mais, o papel de educador. Talvez pelas características da nossa formação académica sen­timo-nos ainda pouco confortáveis neste modelo. Não concebo, no entanto, bons resultados em fisiotera­pia sem sermos capazes de proporcionar algumas ferramentas às famílias - não se pretende que os pais sejam fisioterapeu­tas, mas sim que sejam melhores pais.

A educação à família é peça chave para o sucesso da intervenção. A tríade (pai­-mãe-bebé) poderá assim tirar partido das múltiplas atividades do dia a dia como oportunidades únicas para aprofundar as relações e potenciar o desenvolvimento típico do bebé.

A idade dos “porquês”, que se inicia por volta dos 3 anos de idade, terá de durar toda a vida. Saibamos nós fazer isto bem.

É sempre importante lembrar quem nos ajuda a crescer! Aos bebés e suas fa­mílias (pelos desafios diários); aos alunos e estagiários (pelas dúvidas e reflexões); à Alexandra Ribeiro e à Mónica Duarte (grandes amigas e ótimas fisioterapeutas na área pediátrica); à Alexandra Almeida e à Carmen Carvalho (neonatologistas de referência com quem discuto e aprendo todos os dias); à Dulce Gouveia (terapeu­ta da fala que me ensinou o verdadeiro significado de equipa interdisciplinar).

Este artigo fez parte da 5ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra AQUI. 

 

Fonte: Consulte a 5ª edição da Bwizer Magazine

Partilhe em...