Este artigo fez parte da 5ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra AQUI.
A pediatria, tal como as outras áreas da fisioterapia, desperta algumas paixões. Muitos dos atuais fisioterapeutas não tiverem oportunidade, em estágio, de intervir em condições pediátricas, embora o desejassem. Outros, tendo essa oportunidade, fugiram a sete pés. Enquanto orientadora de estágio já conheci ambas as realidades.
Da minha experiência (no estágio e na vida), a paixão pela área costuma ser o primeiro ingrediente para um projeto bem sucedido. Longe de ser o único, é uma forma de começar bem.
Felizmente a pediatria levou-me ainda a outra viagem: a neonatologia. Com efeito, neste microcosmo dos recém-nascidos doentes poucos terão experiência, a menos que desenvolvam a sua atividade em meio hospitalar. Reconheço que este contexto tem tanto de privilégio, como de desafio.
Depois de tratar muitos recém-nascidos prematuros, não tenho dúvidas que a melhor incubadora do mundo continua a ser a barriga da mãe. A natureza é sábia e fez-nos estar 40 semanas lá dentro, quentinhos, acomodados e protegidos. Vale a pena estudar o desenvolvimento embrionário e perceber a multiplicidade, variabilidade e complexidade celular. De muitos exemplos, saliento sempre o desenvolvimento da pele e do sistema nervoso a partir do mesmo folheto (a ectoderme). Uma relação que começa bem cedo.
O desafio na intervenção do fisioterapeuta em neonatologia relaciona-se essencialmente com as questões da prematuridade. O nascimento prematuro é definido, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como o nascimento antes das 37 semanas completas de gestação.
Os bebés podem ser classificados quanto à idade gestacional e peso com que nascem, sendo a morbilidade neonatal tanto maior quanto mais prematuro ou mais leve é o bebé. Assim, a prematuridade “extrema” engloba os bebés abaixo das 28 semanas de gestação, na “grande” prematuridade enquadram-se aqueles que nascem com menos de 32 semanas, e são considerados pré-termos “moderados” ou “tardios” os que nascem, respetivamente, entre as 32 e as 33 semanas ou entre as 34 e as 36 semanas. São de “extremo baixo peso” aqueles que nascem com menos de 1000 g, de “muito baixo peso” os bebés que nascem com menos de 1500 g, e de “baixo peso” se entre os 1500 e os 2500 g ao nascimento. Não sei se conseguem imaginar bebés de 30 cm, com 750 g, em que bastam as duas mãos juntas, em concha, para pegar neles...
Atualmente sabe-se que 1 em cada 10 bebés são prematuros. A etiologia da prematuridade é de natureza multifatorial e varia de acordo com a idade gestacional (IG). Aproximadamente 14% dos casos podem ser explicados por fatores maternos e 11% por fatores genéticos fetais. Vários são os fatores que podem conduzir ao nascimento antes do tempo, nomeadamente o tabagismo, a má alimentação, o consumo excessivo de cafeína, as gestações gemelares e história prévia de parto pré-termo. Os problemas maternos como a hipertensão arterial, a diabetes e a hemorragia uterina são também fatores importantes. As infeções maternas predominam como causa de nascimento prematuro entre as 24 e 32 semanas de gestação, enquanto o stress e a distensão abdominal excessiva são predominantes entre as 32 e 37 semanas.
A prematuridade é causa reconhecida de sequelas major, como a paralisia cerebral, défice cognitivo e alterações neurossensoriais moderadas a graves. Sabe-se atualmente que o período entre as 20 e as 32 semanas de gestação se caracteriza por um rápido crescimento e desenvolvimento cerebral. O nascimento pré-termo altera este processo e, em estudos de neuroimagem, verificaram-se alterações estruturais como diminuição do volume total do cérebro, córtex e cerebelo, assim como alterações da mielinização.
Pela imaturidade dos sistemas orgânicos é de prever algumas complicações no bebé pré-termo, a começar pela condição respiratória, nomeadamente a doença das membranas hialinas (doença típica da imaturidade pulmonar) e sua evolução para displasia broncopulmonar, bem como a doença pulmonar crónica. Ora, estas complicações aprensentam-se como prioridade de tratamento constituindo, na maioria das vezes, a primeira fase da nossa intervenção.
As sequelas neurológicas mais frequentemente observadas são a hemorragia intra e peri-ventricular e a leucomalácia periventricular, ambas causadoras de encefalopatia no pré-termo, assim como de retinopatia da prematuridade, que pode conduzir a deficiência visual importante ou mesmo a cegueira. A médio/ longo prazo a sequela mais comum é a paralisia cerebral (PC). A PC pode ser classificada de acordo com a localização topográfica (hemiplegia, diplegia ou tetraplegia), nível de funcionalidade (segundo a Gross Motor Function Measure, que avalia o movimento voluntário, com ênfase no sentar e andar, e apresenta 5 níveis, sendo o nível 1 o de menor gravidade e o nível 5 o que apresenta severas limitações no controlo dos movimentos voluntários) e pelo tónus muscular (espástica, atáxica, discinésica ou mista).
A exigência dos primeiros tempos de vida e as experiências antecipadas devem ser cuidadosamente observadas pelo fisioterapeuta de forma a melhor estruturar a sua abordagem. Assim, pretende-se promover o típico desenvolvimento do bebé, contribuindo para o seu desenvolvimento neuromotor.
Da neonatologia para casa e da casa para o mundo, o fisioterapeuta é o fiel companheiro nos primeiros meses/ anos de vida.
Só podemos intervir depois de avaliar. Só sabemos avaliar bem o que conhecemos bem, pelo que é fundamental perceber no que se traduz o desenvolvimento típico do bebé. As competências adquiridas ao longo das janelas de crescimento servirão, então, como modelo no processo de diagnóstico e intervenção em fisioterapia. Que competências podemos esperar de um bebé de termo aos 6 meses? E de um bebé pré-termo de 28 semanas, com 9 meses de idade real? É grave se o bebé nunca gatinhou? Quando deixamos de considerar a idade corrigida para atendermos à idade real? Porque nos devemos preocupar com as questões sensoriais do bebé? Qual o papel das famílias ou cuidadores?
Na minha perspetiva de intervenção, a atenção deve estar no bebé e na sua família. Não sou purista na abordagem, embora me sinta mais confortável com umas técnicas de que com outras. Observo muito. Escuto os pais. Toco. Facilito. Começo a construir o meu raciocínio. Procuro identificar os problemas e desenhar estratégias para os modificar. Escolho as técnicas em função do bebé e não o bebé em função das técnicas. Exercício diário.
Aos fisioterapeutas caberá, cada vez mais, o papel de educador. Talvez pelas características da nossa formação académica sentimo-nos ainda pouco confortáveis neste modelo. Não concebo, no entanto, bons resultados em fisioterapia sem sermos capazes de proporcionar algumas ferramentas às famílias - não se pretende que os pais sejam fisioterapeutas, mas sim que sejam melhores pais.
A educação à família é peça chave para o sucesso da intervenção. A tríade (pai-mãe-bebé) poderá assim tirar partido das múltiplas atividades do dia a dia como oportunidades únicas para aprofundar as relações e potenciar o desenvolvimento típico do bebé.
A idade dos “porquês”, que se inicia por volta dos 3 anos de idade, terá de durar toda a vida. Saibamos nós fazer isto bem.
É sempre importante lembrar quem nos ajuda a crescer! Aos bebés e suas famílias (pelos desafios diários); aos alunos e estagiários (pelas dúvidas e reflexões); à Alexandra Ribeiro e à Mónica Duarte (grandes amigas e ótimas fisioterapeutas na área pediátrica); à Alexandra Almeida e à Carmen Carvalho (neonatologistas de referência com quem discuto e aprendo todos os dias); à Dulce Gouveia (terapeuta da fala que me ensinou o verdadeiro significado de equipa interdisciplinar).
Este artigo fez parte da 5ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra AQUI.
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