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Publicado a 13/10/2018

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São ilegais os “Contratos de Fidelização” em ginásios? | Por Alexandre Miguel Mestre (Bwizer Magazine)

Alexandre Miguel Mestre

Este artigo fez parte da 4ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra aqui.

 

No final do mês de Agosto diversos media, com bastante ‘estrondo’, deram conta de que durante o primeiro semestre de 2018 a DECO recebera 215 reclamações, a maioria das quais conexas com os ditos “contratos de fidelização”. Em diferentes notícias leu-se mesmo que “a fidelização em ginásios é proibida por lei.”. Prontamente a AGAP reagiu, em comunicado, invocando a legalidade desses contratos.

Segundo a AGAP, “[o]s contratos de fidelização são legais e enquadrados no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 3095/08.5YXLSB.L1-7 de 05.06.2012, desde que seja garantida uma vantagem comercial para o aderente (“1- As cláusulas de fidelização que garantem a estabilidade económica do predisponente têm de conferir, em contrapartida, também vantagens de ordem comercial ao aderente, …)”.

Permita-se-nos, a este propósito, tentar aclarar, do ponto de vista jurídico, o que está em causa quando no contrato de adesão a um ginásio consta uma ‘cláusula de fidelização’, começando por definir o conceito de fidelização (que alguns ginásios, como que temendo a sua ilegalidade, substituem por “compromisso”, “obrigação de permanência” ou “período de permanência inicial”).

Sendo a ‘Lei dos Ginásios(1) omissa quanto à figura da fidelização – desmentindo as referidas notícias que afirmam existir uma proibição – encontramos uma definição de fidelização na legislação referente às comunicações eletrónicas(2): “o período durante o qual o consumidor se compromete a não cancelar um contrato ou a alterar as condições acordadas”. Esta lei prevê que não pode haver períodos de fidelização superiores a 24 meses e que a regra deve ser no máximo de um ano.

E é precisamente no domínio das telecomunicações que encontramos pistas para responder à questão de saber se é ou não ilegal prever-se num contrato celebrado entre um ginásio e um utente para fidelização deste por um período mínimo. Refiro-me em concreto a um Parecer emitido a 11 de Janeiro de 2016, pelo Observatório do Direito de Consumo (ODC) sobre “Fidelização em Telecomunicações”(3).

Esse Parecer ajuda a explicar duas decisões antagónicas, do mesmo tribunal, no espaço de um ano, em torno do mesmo facto – referimo-nos a dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que decidiram, ambos, sobre a validade de uma cláusula de fidelização vigente pelo período de um ano.

Em Junho de 2011, o TRL considerou que semelhante cláusula revelava “um manifesto desequilíbrio contratual de interesses”, uma vez que o ginásio se limitava “a acautelar os seus interesses negociais ao inserir cláusulas padronizadas insuscetíveis de negociação, conduzindo a uma fidelização forçada dos clientes ao longo dos anos sob pena de se verem obrigados ao pagamento de uma pesada penalização em caso de resolução negocial.” No fundo, para o TRL, estando em causa uma cláusula inserida num contrato de adesão, existiria “uma coação à longa duração contratual, levando os clientes a uma fidelização forçada ao longo de anos com receio ou incapacidade financeira para prover a tão pesada penalização em caso de quebra contratual”. A razão foi, então, dada ao utente.

Por sua vez, o mesmo TRL, em Junho de 2012, no aresto a que a AGAP fez referência no mencionado comunicado, “fazendo pesar no prato da balança os interesses em jogo” não vislumbrou “qualquer indesejável desequilíbrio contratual [porque] a fidelização de um ano vai permitir ao cliente uma série de ser¬viços, incluindo diversificação do seu exercício, que outro tipo de adesão não lhe permitia.” Mais acrescentou que este tipo de prestação “(…) envolve uma série de custos e esforços financeiros e humanos que os clientes têm que compensar, por via da fidelização de um ano. Não existe, pois, qualquer desequilíbrio entre as prestações contratuais, pois ambas se ajustam na ótica de prestador de serviços e do cliente dos mesmos: a título de exemplo, qualquer cliente não pode querer comprar um Ferrari pelo preço de um Fiat.” Com esta forte metáfora, foi, desta feita, dada razão ao ginásio.

Perante este “empate” e aguardando-se nova jurisprudência, o parecer do ODC mantém, mais de dois anos depois, projeção e utilidade para a realidade dos ginásios, ao transmitir, no es¬sencial, o seguinte: (i) “o consumidor não pode ficar obrigado a contratar por períodos anormalmente elevados”; mas (ii) “se há um benefício extraordinário concedido ao consumidor, há uma justificação para que se estabeleça um período de duração efectiva do contrato e o montante da penalização em que incorre o consumidor pelo incumprimento desse período”. Isto porque (iii) “é normal que essa operadora [de telefone ou de internet] queira rentabilizar o seu ‘investimento’ e, por isso, pro¬ponha um período de fidelização”.

Mutatis mutandis, diria, um ginásio pode invocar que a fidelização é necessária para ver compensado o seu investimento, designadamente em recursos humanos, como os Técnicos de Exercício Físico, ou em recursos materiais, como máquinas e demais equipamento, ou ainda no aumento e diversificação de serviços prestados – sendo que para poder garantir esse ressarcimento, o ginásio tem de poder gerir no médio prazo, e isso implica garantir a retenção dos seus clientes. Para que este argumento colha, o ginásio terá de dar uma contrapartida económica ao utente. E aí, o preço é o mais óbvio: o cliente fica “fidelizado”, mediante a contrapartida de beneficiar de um desconto no pagamento das prestações.

Tudo visto e ponderado, a fidelização em si mesma não é ilegal, podendo até ser simultaneamente favorável ao ginásio e ao utente – sendo que, enquanto não houver uma alteração à ‘Lei dos Ginásios’ que expressamente delimite a questão da fidelização, a validade desta terá de ser aferida caso a caso, contrato a contrato, ginásio a ginásio, não devendo haver lugar a generalizações nem a conclusões categóricas e dogmáticas.

 

Este artigo fez parte da 4ª edição da Bwizer Magazine – pode vê-la na íntegra aqui.

CV: Advogado, Doutor em Direito Europeu do Desporto e Professor Convidado no domínio do Direito do em diferentes instituições do ensino superior. Formador nas áreas de Ética, Deontologia e Legislação do Fitness e autor do livro “Direito do Fitness”.

Fonte: Consulte a 4ª edição da Bwizer Magazine

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